Aos que não sabem do que se trata o assunto, é necessário, inicialmente, trazer um resumo da situação. O lateral-direito Achraf Hakimi é um dos mais bem pagos jogadores de um dos principais times de futebol do mundo, o PSG (Paris Saint-Germain). Hakimi também é titular da seleção de Marrocos, que surpreendeu a todos durante a Copa do Mundo de 2022. Com a ajuda do jogador, sua equipe chegou ao quarto lugar da competição.
Recentemente, o jogador esteve envolvido em uma investigação relacionada a uma possível violação sexual contra uma mulher de 24 anos na França. A provável vítima fez a denúncia sobre o ocorrido em uma delegacia de Paris, mas não formalizou a queixa. No entanto, a promotoria da cidade foi acionada devido à notoriedade do acusado e à gravidade da situação.
Hakimi era casado com a modelo e atriz espanhola Hiba Abouk. O casal possui 2 filhos e iniciaram o relacionamento em meados de 2018. Ao ter ciência do ocorrido e do envolvimento do jogador com um possível estupro, Hiba solicitou o divórcio. Contudo, ela se deparou com uma situação inusitada. Durante o casamento o lateral-direito havia transferido todos os seus bens para o nome de sua mãe. Essa atitude, em tese, impossibilita o processo de divisão de bens ao longo do processo de divórcio.
Quais seriam os direitos da ex-esposa caso o ocorrido tivesse acontecido no Brasil?
A fim de iniciar a discussão, cabe pontuar que, já que não se sabe ao certo qual é o regime de bens que o casal escolheu e formalizou no momento do ato solene, partiremos de uma convenção, para fins informativos, de que o regime estipulado é o da comunhão parcial de bens. Essa convenção feita encontra amparo legal no artigo 1640 do Código Civil brasileiro, que determina que, “não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.”
A partir dessa ideia, é necessário pontuar sobre o instituto dos bens adquiridos na constância do casamento para o direito brasileiro. O Código Civil de 2002, em seu art. 1.658, determina que os bens adquiridos pelo casal durante a vigência do casamento, em regra, são considerados bens comuns, independentemente de estarem registrados em nome de um ou do outro cônjuge.
Sendo assim, o art. 1660 determina que entram na comunhão:
“I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.”
Com essa ideia fixada, vamos ao debate do caso em questão: por ter cedido o patrimônio para sua mãe ainda na constância do casamento, Hakimi pode ter acreditado que tais bens não seriam alvos de possível processo de execução ou da divisão de bens.
No entanto, caso esse acontecimento estivesse sob a jurisdição brasileira, o próprio art. 1663, parágrafo 2º, traz que, para a cessão do uso ou do gozo dos bens do casal, a título gratuito, é necessária a anuência de ambos os cônjuges, e não apenas de quem teria o bem sob seu nome.
Sendo assim, caso o jogador tenha feito isso sem o consentimento de Hiba, os atos jurídicos decorrentes dessa transmissão de patrimônio poderiam ser anulados, se fosse comprovado que a operação fora feita com intuito de prejudicar a esposa em uma possível separação ou de ocultar o patrimônio do casal.
Nesse cenário, os bens voltariam para a posse do casal e, a partir disso, seria efetuada a devida divisão de bens, a partir da anulação dos atos jurídicos praticados. Essa anulação também teria respaldo legal pelo fato de que quem exercia, de fato, o uso e o gozo do patrimônio era o próprio casal, por mais que esse não estivesse em nome deles.
Portanto, a transferência dos bens à mãe do atleta, a título gratuito, poderia, no Brasil, configurar uma fraude à lei, uma vez que o marido não pode dispor dos bens do casal sem o consentimento da esposa. Diante disso, a esposa poderia requerer a anulação dos atos praticados pelo marido por meio de ação judicial se comprovasse a existência do regime de bens, a ausência de consentimento para a transferência do patrimônio e a utilização deste pelo jogador e pela família como se ainda fossem seus.